REGULAMENTAÇÃO DA PROFISSÃO

Com o texto abaixo tenho a intenção de fomentar a discussão sobre o assunto e conhecer diversos pontos de vistas.
O texto citado abaixo, com o qual concordo, é de autoria de Henrique Peixoto de Melo.
Uma breve citação de cargos ocupados pelo autor:
  • Presidente do Conselho do Trabalho do Distrito Federal.
  • Membro do GAP/CODEFAT/MTE - Grupo de Apoio Técnico do Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador.
  • Membro Suplente do CODEFAT.
  • Participação no XXI e XXII SECOP – Seminário Nacional de Informática Pública.
  • Participação no II e III CBDIP – Congresso Brasileiro de Dirigentes de Informática Pública.
  • Participação no II FENAP – Fórum Internacional de Informática Pública.


As primeiras tentativas de regulamentação da profissão no setor de Tecnologia da Informação, remetem a década de 1970. Vários projetos, com diferentes formulações de ordem estrutural, orgânica e política foram levados ao debate no Congresso Nacional com a participação apenas da sociedade civil organizada. Sindicatos dos Profissionais de Processamento de Dados e Tecnologia da informação, a FENADADOS, representações de docentes e discentes, comunidade científica, representações de empresários e órgãos públicos da administração direta e indireta posicionaram-se ao longo desses quarenta anos. Muitas vezes, motivados pela velocidade dos acontecimentos e pela incerteza dos caminhos futuros, assumiram posições completamente antagônicas a teses defendidas anteriormente. As divergências não foram somente de forma ou conteúdo, mas passaram inclusive pela discussão de se deveríamos ou não regulamentar a profissão, o que por mais que se tente disfarçar, continua sendo a grande questão. Parece que a velocidade dos acontecimentos vai tornando obsoletas as sucessivas tentativas de encontrar um caminho satisfatório para a questão:
 Regulamentar é preciso! X Regulamentar é preciso?


A evolução tecnológica foi tão brutal, que em quarenta anos assistimos funções e cargos da área de Tecnologia da Informação serem extintos, criados, fundidos e subdivididos com novas nomenclaturas e novos ramos de especialização. As mudanças são reflexos do surgimento de novas metodologias, linguagens, softwares básicos e hardwares para atendimento de demandas crescentes e cada vez mais específicas. Os hardwares também geram demandas em função de seu desenvolvimento e aplicação nas mais diversas áreas do conhecimento, tornando estas mudanças um ciclo virtuoso.
Quanto à formação, os cursos de nível técnico acompanham de forma mais coerente e próxima da evolução de hardwares e softwares. Estes cursos são mais diretos e demandados automaticamente pelo mercado, é como se fizessem parte da linha de montagem de uma fábrica. Ferramenta nova produz manual, cursos e versões. Se a ferramenta conquista mercado, os técnicos surgem como parte integrante da inovação. Já os cursos de graduação não acompanham com a mesma naturalidade as inovações. A indústria do ensino transforma a necessidade de mudanças ágeis em mero jogo de marketing, chegando ao ponto de produzir vários cursos com nomes diferentes, nomes esses associados com as mudanças, porém, com o mesmo conteúdo didático, usando um ou outro disfarce na apresentação do currículo do curso. Essas instituições são fornecedoras de diplomas e descompromissadas com a inserção de seus formandos no mercado de trabalho. É fundamental que os trabalhadores/as debatam com as entidades representativas dos diversos segmentos da sociedade, que compõem a comunidade de Tecnologia da Informação e Comunicação, a estrutura e a qualidade dos cursos de graduação ofertados no Brasil, e cobrem do Ministério da Educação uma política mais ajustada a realidade.
Em economia, costumeiramente, entende-se por ciclo virtuoso a relação direta entre fenômenos positivos e retroalimentados: mais empregos, mais renda, mais consumo, mais demanda, mais investimentos, mais empresas, mais empregos... O mundo mudou, as tecnologias evoluíram, os empregos mudam seu perfil constantemente e renda não significa mais emprego formal. Estes fenômenos valem para todas as áreas do conhecimento, mas são visivelmente fortes no setor da Tecnologia da Informação e Comunicação. Neste setor, empreendedorismo e formação permanente é como sangue nas veias, oxigênio, é a manutenção da vida profissional. Isso muda significativamente o conceito de ciclo virtuoso: mais formação, mais tecnologia, mais trabalho digno, mais renda, mais consumo, mais demanda, mais investimento, mais produção, mais formação...   
 A Sociedade da Informação surge de uma realidade crescente a partir da Revolução Industrial. O mundo do trabalho dividiu-se em três partes: as profissões que produzem tecnologia, as que demandam tecnologia e os excluídos que buscam sobrevivência numa economia paralela, isolada de qualquer planejamento e base de formação. É a luta diária pela sobrevivência.
 A produção de qualquer insumo, produto ou serviço para 6 bilhões de habitantes dentro da competição do mundo globalizado,  tornou-se tarefa complexa em toda e qualquer atividade da raça humana. Da produção de alimentos ao controle das epidemias, endemias e pandemias, o grande desafio é como evitar a exclusão, cada vez maior, de acesso aos avanços conseguidos pela ciência e pelas diversas tecnologias empregadas nos diversos ramos de atividade socioeconômica, sociocultural, socioeducacional e socioambiental.
Certamente, faz-se necessário e urgente a regulamentação, principalmente, ética do mercado visando o equilíbrio, a sustentabilidade do planeta e em última análise a sobrevivência humana. Em nossa categoria, este sentimento deveria estar na pele. Os fenômenos evolutivos das quatro últimas décadas fazem-nos perceber a fragilidade, recentemente comprovada, de todas as teorias econômicas do mundo capitalista. A dificuldade de encontrar o modelo ideal para regulamentar nossa profissão é diretamente proporcional a dificuldade de retomar a regulação dos mercados e o papel do Estado. Nossa atividade está presente em todos os ramos de atividade econômica e serve de paradigma para todos os fenômenos da sociedade contemporânea, seja aproximando pessoas, mercados, culturas ou acumulando dados que usados de forma transparente, melhoram a capacidade crítica de um número cada vez maior de trabalhadores/as.
 Regulamentar é preciso, mas de que forma e o que?
É cada vez mais urgente encontrar a forma, e é inegável que ela precisa surgir da classe trabalhadora, dos pequenos e médios empreendedores, da sociedade civil organizada e não mais da academia a serviço dos ideais supranacionais criados a partir do capital e do livre mercado. É preciso estabelecer regras de conduta de forma democrática, com eficiência, eficácia e efetividade. A engenharia do modelo deve ter como princípio a transparência dos atos regulatórios e antecipar fenômenos danosos ao bem-estar social, criando as proteções e garantias para preservação da equidade de oportunidades e acesso irrestrito ao conhecimento, o que irá legitimar e consagrar as ações regulatórias. Na prática, a inserção da Tecnologia da Informação e Comunicação nas mais diversas atividades econômicas, empurra-nos contra a parede, obriga-nos a sair da simples atitude corporativista e pensar que mundo construir, com quais ferramentas e com que estrutura organizacional lutar para atingir o Desenvolvimento Sustentável na era da Sociedade da Informação.
Com base nesta introdução, em estudos comparativos realizados em diversos elementos ligados à matéria e procedendo a análise da proposta gerada das discussões feitas no evento “Regulamentar é Preciso”, que em seguida, foi aprovada pelo conselho diretor da FENADADOS em 7 de abril de 2010; são essenciais algumas reflexões e avaliações de contraditórios históricos, ideológicos e legais para o “Projeto dos Trabalhadores”, o qual encontra-se democraticamente aberto a críticas e sugestões.
A criação de um Conselho Profissional traduz, de forma “legalizada”, o exercício da antítese de democracia, significando a criação de um estado paralelo dotado de autonomia administrativa e financeira, sob a personalidade jurídica de Autarquia de Direito Público. Os Conselhos Profissionais são legalmente constituídos desta forma por exercerem atividades típicas de Estado. Os conselhos deveriam ter como função principal a defesa da sociedade diante de ações imorais, antiéticas e danosas ao bem comum, praticadas por pessoas físicas ou jurídicas no exercício de uma profissão. Estas instituições deveriam estar estruturadas em torno de profissões que colocam em risco a vida humana e/ou a saúde da coletividade vista de forma ampla.
 Temos na história exemplos de conselhos criados por decreto lei e depois sancionados em leis específicas, as quais foram recepcionadas pela Constituição de 1988 sem nenhuma alteração no seu texto original, ou seja, foram consideradas constitucionais na sua integra. Vale lembrar que o instrumento jurídico Decreto Lei ficou extinto após a Carta Magna de 1988, surgindo a figura da Medida Provisória. Algumas leis de criação dos Conselhos Profissionais foram alteradas após a promulgação da constituição de 1988, a maioria, no que se refere à composição do conselho e a regulação de alguns atos de caráter administrativo. A única mudança válida para todos os conselhos, e que a partir da Constituição de 1988, por força da sua personalidade jurídica, ficam os conselhos obrigados a realizarem concurso público para contratação de servidores.
 Alguns desses conselhos têm cerca de 70 anos de existência. Seus nobres conselheiros eleitos, todos profissionais das áreas afins, pois não há representação da sociedade entre seus membros, criaram registros, taxas de anuidade e serviços. Todos são obrigatórios para o efetivo exercício da profissão, pois esta é a única forma de garantir receita para manutenção da instituição. Elaboraram um código de ética, julgaram, absorveram, “condenaram e puniram” profissionais com base neste mesmo código. Os atos mencionados conferem aos conselhos poderes para legislar, julgar, condenar, arrecadar e fiscalizar os profissionais sob sua jurisdição. Então, conselhos têm poder tributário, de polícia, legislativo e judiciário, o que centraliza em um único ente a figura dos três poderes constituídos originariamente como harmônicos e independentes. Estranhamente, há vários casos em que, apesar de todo esse “poder”, a profissão até hoje não foi regulamentada.
Além de instrumentalizar o corporativismo improdutivo e atentar contra os princípios de democracia, os Conselhos Profissionais remontam os tempos imperialistas de fato e de direito. A Teoria de Separação dos Poderes desenvolvida por Aristóteles e Platão, e posteriormente, sistematizada por Montesquieu em seu livro “O Espírito das Leis” em 1748, o qual enfatiza as leis e suas relações com a natureza e os princípios de cada governo, deu forma ao constitucionalismo e a separação clara dos poderes em Executivo, Legislativo e Judiciário. Esta tese é, até os tempos atuais, a base de sustentação dos regimes democráticos. De forma resumida a teoria está baseada na máxima de que “o poder limita o poder”. Portanto, este modelo é contraditório ao pensamento histórico da esquerda e se suporta na visão danosa de que os fins justificam os meios.
O nosso projeto, intitulado “Projeto dos Trabalhadores”, talvez pelo desconforto implícito no subconsciente coletivo da esquerda e pelo explanado anteriormente, traz em seu conteúdo contradições de ordem prática e técnica.  Se aos Conselhos cabe o cumprimento de atividades típicas de Estado com autonomia administrativa e financeira, de onde virá a receita necessária para a manutenção da organização autárquica?  O projeto não cita em nenhum lugar suas fontes de receita. Sendo livre o exercício da profissão, independentemente de conhecimento formal ou graduação, vamos regulamentar o que? Resta, então, a elaboração de um código de ética.
 Sabendo-se que um profissional de Tecnologia da Informação exercendo suas atividades na área da saúde, por exemplo, terá que respeitar também o código de ética da atividade fim da sua atuação, principalmente, no que diz respeito ao sigilo, a privacidade, a publicidade e ao tratamento de informações. Então, ficamos limitados a um código de ética de caráter generalista.
 Considerando a ética como princípio básico, basta produzir um projeto de Lei e aprová-lo. Criamos a regra e deixamos que as instituições de fato e de direito cumpram seus papéis de legislar, julgar e condenar. No fundo, cabe discutir de forma doutrinária a constitucionalidade dos Conselhos Profissionais e seus atos diante do arcabouço legal em vigor, o problema é que ninguém quer mexer no vespeiro. A nossa categoria tem o dever de ser mais criativa e democrática do que o modelo que ai está.
A busca do consenso é morosa, muitas vezes desgastante, mas tende a criar soluções confortáveis e duradouras. Criar organismos inócuos como atrativo para o consenso não gera crescimento, não gera debate franco, não nos obriga a assumir erros e mudanças de posição. Este tipo de solução funciona como “freio de arrumação”, parece que fizemos alguma coisa, mas de forma pragmática, o que conseguimos é no máximo acomodação.  A máxima de que é melhor o erro que a omissão é perfeita quando o erro não vira uma instituição. Quando virá instituição, o erro cria estrutura orgânica, dota pessoas de poder, remunera pessoas em volta do corporativismo danoso à sociedade e possibilita discursos, nunca antes imagináveis, para justificar a permanência da instituição criada em torno do erro. E como desenvolver alimento ao invés de vacina para um vírus.
Na década de 1990, iniciamos uma discussão correta e lúcida; a fusão dos sindicatos da área de Tecnologia da Informação com os da área de Tecnologia da Comunicação. Essas discussões são anteriores a criação da ANATEL e a privatização das telecomunicações. Muitos de nós conseguimos antecipar o cenário que nos apresentaria os dias de hoje, entretanto, não persistimos nas discussões de métodos e formas para promoção da unificação da estrutura sindical das duas categorias.
 As dificuldades são muitas, espaços políticos e estrutura orgânica terão que ser revistos, o debate com as categorias será extenuante, mas precisamos retomar está iniciativa e avançar diante deste novo cenário. “TIC” não pode continuar sendo sigla para formulações acadêmicas e de uso conveniente aos interesses supranacionais. Os trabalhadores precisam transformá-la em realidade de fato e de direto, inovando e servindo de exemplo, de vanguarda, para outros setores da economia. Enquanto o capital busca fusões para a qualquer custo manter a estrutura falida da sua última versão, o neoliberalismo e seus ganhos abusivos, nós os trabalhadores/as não podemos dividir nossos esforços. Precisamos usar os espaços institucionais, aprimorá-los, participar efetivamente de seus fóruns, sugerir modelos, criar soluções.     
As Agências Reguladoras, apesar de recentes e com vários problemas de adequação para serem discutidos e sanados, são um instrumento mais democrático e eficiente para regulamentar os mercados. A criação das Agências está baseada na necessidade de normatizar e fiscalizar os mercados que tratam das atividades, produtos ou serviços, essenciais a sociedade. Nós trabalhadores temos que participar ativamente deste processo interferindo na criação e evolução desses órgãos. Seus fundamentos estão ligados a:
·      Autonomia e independência decisória;
·      Gestão colegiada;
·      Competência técnica;
·      Ampla publicidade de normas, procedimentos e ações;
·      Celeridade processual e simplificação das relações entre consumidores e investidores;
·      Participação de todas as partes interessadas no processo de elaboração de normas regulamentares, em audiências públicas;
·      Atuação estatal na prestação de serviços públicos, aos níveis indispensáveis à sua execução.

A nossa participação reduz alguns dos riscos deste tipo de formulação que, a exemplo de uma das gestões da ANAC, pode se transformar em um balcão de venda de normas para atender interesses privados. Os trabalhadores não podem deixar que estes instrumentos sejam banalizados ou transformados em mais um instrumento corporativo, nós sempre defendemos a gestão colegiada, os fóruns tripartites e a democracia decisória.
Aprofundando este tema é bem provável que a nossa categoria visualize a fusão das bases de Tecnologia da Informação e Tecnologia da Comunicação como a alternativa mais viável e adequada aos interesses de todos e tendo como elemento principal a inclusão social. Unidos precisamos transformar a ANATEL em “ANATIC”.

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